Entrevista a Rui Garrido | Presidente da ACOS e da Comissão Organizadora da 39ª Ovibeja
“Esta não é a nossa ministra. Nós precisamos de ministros que oiçam os agricultores”
Rui Garrido, presidente da ACOS, está confiante em que a 39ª edição da OVIBEJA, que decorre de 27 de abril a 1 de maio, vai ser um sucesso. Um mês antes do início da Feira já todos os espaços expositivos estavam preenchidos e a expectativa junto dos visitantes fazia-se já sentir junto dos organizadores. Nesta entrevista, o presidente da ACOS assume também que existe um diferendo de fundo entre os agricultores e a atual ministra da Agricultura que acusa de não ouvir, nem falar com os representantes do sector. Apesar da OVIBEJA ser tradicionalmente um espaço de diálogo e de encontro de soluções para os problemas que afetam o mundo rural, Rui Garrido considera que seria uma hipocrisia convidar a ministra da agricultura a estar presente na edição deste ano tendo em atenção o descontentamento generalizado dos agricultores, bem patente nas várias manifestações realizadas neste último mês, nas quais a ACOS tem participado ativamente. No seguimento do que é costume, está confirmada a presença do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, no dia 29, sábado. Tendo como tema geral “Comunicar, Um Grande Desafio para a Agricultura”, a OVIBEJA mantém o mesmo figurino de sempre, apesar de algumas inovações como é o facto do artesanato dispor de uma nova localização e um novo espaço encontrado para a exposição temática, este ano também dedicada à forma de comunicar a agricultura.
Está aí uma nova Ovibeja. Como tem sido este ano a recetividade de expositores e eventuais visitantes?
Rui Garrido - Um mês antes de abrir as portas a Ovibeja já estava cheia. Já vínhamos a sentir que a adesão era grande e é isso que se tem verificado. O Pavilhão Institucional está completo, no Campo da Feira a zona das máquinas conta com todos os expositores que costumam vir, os expositores dos vinhos, dos queijos e dos azeites também já se inscreveram. Pode-se dizer que está tudo cheio.
E os espaços mantêm-se os mesmos?
Vamos alterar a disposição dos expositores no antigo Pavilhão das Lãs, porque temos mais gente a querer vir, mas também porque vamos transferir para aqui o artesanato. O Pavilhão do Cante também ficará diferente, com vários bares, virados para os petiscos, o cante e o convívio, numa colaboração com a CIMBAL. No âmbito desta colaboração, assente no projeto “Baixo Alentejo/Terras com Memória”, irão estar vários painéis, de várias localidades do Baixo Alentejo e um palco com música destas regiões, no âmbito do projecto “Música Portuguesa a Gostar dela Própria”. Outra alteração será no Pavilhão Terra Fértil, mais conhecido como o Pavilhão dos Sabores, onde a exposição temática, bem como o espaço dedicado ao Concurso dos Azeites, que sempre estiveram ao fundo, depois dos vários expositores dos queijos, enchidos, etc, este ano passarão a estar separados de toda a zona de exposição agroaliementar. A exposição estará logo à entrada do pavilhão a fim de facilitar o acesso e a sua visita. O espaço do Azeite estará na zona contígua, no mesmo corredor.
A exposição temática, como é habitual, este ano também está relacionada com o tema da 39ª Ovibeja -“Comunicar, Um Grande Desafio para a Agricultura”?
Sim. Toda essa área será dedicada ao tema da comunicação, seja a que acontece no interior do setor, seja também para o exterior. Muitas vezes queixamo-nos que toda a informação que a ciência e a investigação produzem, não chega à agricultura e aos agricultores que são os seus principais destinatários. Mas para além desse tipo de comunicação, que é importante, e que nós muitas vezes fazemos mal, o tema é mais virado para o exterior, ou seja, queremos que o mundo urbano saiba melhor o que é a agricultura, sem preconceitos. Somos nós que produzimos os alimentos e o mundo urbano tem que deixar de usar os chavões de que os jornais e as televisões estão cheios e que não refletem o que é a agricultura. Desde miúdos – e este é um trabalho que é importante e para o qual estamos disponíveis – é preciso que saibam quais são os riscos que um agricultor corre, a vida habitual dum agricultor, os investimentos que é preciso fazer, sempre ao sabor do tempo que nem sempre corre bem. Basicamente, pretendemos comunicar melhor com o mundo urbano e darmos a perceber o que é a agricultura, a sua sustentabilidade, e também mostrar que são os agricultores os grandes guardiões da natureza e do ambiente. Sem eles não haverá alimentos, nem combate eficaz contra as alterações climáticas.
Têm sentido dificuldades em fazerem passar a vossa mensagem para esse tal mundo urbano que referem?
Os agricultores, em geral, comunicam mal, muitas vezes não sabemos comunicar e quando comunicamos podíamos fazê-lo melhor. Quase sempre andamos atrás das imagens negativas que saem a denegrir o agricultor ou determinado tipo de agricultura – e que tantas vezes saem – lá vamos nós a querer apagar os fogos, mas sempre correndo atrás do problema. Temos que saber comunicar melhor, para que nos possamos antecipar, agindo em vez de reagir.
O rendimento da agricultura baixou no ano passado mais de 10%
Neste campo da comunicação, tem sido um tema atual a subida de preços dos géneros alimentares. O governo avançou com a descida para zero do IVA nalguns produtos. Como é que os agricultores estão a ver esta questão dos preços e do aumento dos principais produtos alimentares?
Relativamente à questão do IVA aparentemente pode ser uma boa solução. Não havendo IVA, teoricamente, nas grandes superfícies, e não só, os preços descerão, sendo que esta descida é muito pouco expressiva, uma vez que se trata de apenas 6%. Digo teoricamente porque, como ouvimos dizer na comunicação social, em Espanha não terá sido bem assim. Mas isso tem a ver com o consumidor e nada tem a ver connosco, com a produção. Quando ouvimos falar desses aumentos brutais é bom que se diga que no ano passado, em 2022, o rendimento da agricultura baixou mais de 10%. Não estamos a ganhar mais dinheiro, antes pelo contrário. Determinados produtos, como os cereais, que depois têm reflexos brutais no preço das rações, têm subido de preço, mas os fatores de produção também aumentaram e até numa percentagem superior, o que não dá para que as explorações agrícolas possam aumentar as suas margens. O que acontece muitas vezes é o contrário.
Onde fica esse lucro?
Só o que sabemos é o que ouvimos, que as grandes cadeias de distribuição têm tido lucros enormes, na casa dos muitos milhões de euros. Por isso, parece-nos que o problema não estará num eventual aumento dos preços junto da produção, mas sim no preço final.
Mas há casos concretos como o do preço do garrafão de azeite, que aumentou mais de 50 por cento. Onde fica essa margem?
Esse é um dos produtos que tem aumentado bastante e que se prende com a sua escassez no mercado. Mas aqui em Portugal contribuímos muito pouco para a fixação desses preços. É uma questão mundial e, sobretudo, espanhola. Desde há cerca de dois anos que o azeite está em alta, porque a produção em Espanha, devido à seca, tem sido muito pequena. Os preços hoje são globais e se não há azeite em Espanha, como tem acontecido, os preços sobem em todo o mundo.
Quanto ao vinho, também tem havido uma valorização no mercado?
O negócio do vinho não tem nada a ver com o negócio do azeite. O vinho a granel já valeu mais nos últimos anos do que está a valer hoje.
Há um ano já que começou a guerra na Ucrânia. Qual o balanço em termos da agricultura portuguesa? Houve muitos impactos?
Os grandes impactos da guerra na Ucrânia continuam a ser nas matérias-primas, como os fertilizantes, que depois têm impacto no custo dos fatores de produção e no preço de alguns produtos, nomeadamente dos cereais, que está muito mais alto agora do que estava há dois anos atrás. O trigo podia custar 180 euros a tonelada ou o milho 170 euros a tonelada e hoje estamos a falar de 200 e muitos euros ou mesmo 300 euros a tonelada.
E em relação às exportações, proibidas internacionalmente, houve também prejuízos?
Sim, deixou de haver exportações devido aos acordos internacionais. Um dos sectores mais penalizados aqui na região, porque havia uma exportação interessante, terá sido o dos vinhos.
A situação de seca melhorou, mas difere de zona para zona.
Quanto às questões relacionadas com a meteorologia: a situação de seca já foi ultrapassada?
Este ano está a ser muito diferente do ano passado. No ano passado tínhamos uma seca extrema já nesta altura, com falta de chuvas no outono, muitas searas não chegaram a nascer, outras nasceram mal, não havia erva, as barragens praticamente não tinham água, o Alqueva também tinha menos água, era um cenário muito diferente.
Mas a situação hoje não é igual em todo o Alentejo. Há situações onde a seca ainda está a ser grave.
Sim, é verdade. As coisas estão diferentes, nomeadamente quando se compara o Alto Alentejo com o Baixo Alentejo e o Algarve, onde a situação de seca já é percetível em muitas zonas. A situação ainda é muito difícil, como no caso da bacia do Sado e da bacia do Mira e toda a zona sul do nosso Baixo Alentejo, com solos de menor aptidão agrícola e mais esqueléticos que já necessitam muito de água, sob pena de os cereais e as forragens ali semeados se poderem perder. No norte do Alentejo nota-se mais erva nos campos, as barragens encheram e o Alqueva meteu a água correspondente às duas últimas campanhas de regadio, o que foi muito bom.
Uma parte da água do regadio para próxima campanha vai sair de Alqueva. Tem havido notícias sobre o aumento do preço da água. Já há algumas informações concretas?
Na última reunião do Conselho de Acompanhamento do Regadio de Alqueva foi-nos comunicado que estava proposto um aumento do preço da água, no caso da baixa pressão, seja para os regantes diretos da EDIA, seja para os regadios confinantes, no valor de 140%, e em alta pressão, entre os 80/85 por cento. Isto será inaceitável, ainda por cima, já em plena campanha de rega. Ainda hoje (início de abril) não sabemos qual vai ser o preço da água. É preciso ter em conta que a viabilidade de muitas das culturas anuais dependerá do preço que vier a ser estabelecido para a água de rega. Estas coisas têm que ser estudadas e definidas atempadamente e não podem ser feitas nas costas dos agricultores, que são os utilizadores da água.
As medidas para a agricultura denotam desorganização e incompetência.
Tem havido por parte dos agricultores e das confederações do sector uma grande contestação às medidas que o governo tem tomado para o sector agrícola e muitas críticas à atuação, ou não atuação, da ministra da Agricultura, com manifestações em vários pontos do país. Quais as principais críticas que fazem ao Governo?
Nós temos muitas críticas a este governo, os problemas têm-se vindo a avolumar de há alguns meses a esta parte. Por exemplo, o desmantelamento do Ministério da Agricultura, que já vem de trás, a integração de alguns serviços nas CCDRs, que nós consideramos que não faz qualquer sentido. Não sabemos se essa ideia vem da ministra da Agricultura ou se se deve à sua falta de peso político e de influência, mas ela é que é a responsável por este ministério e se não concorda com uma medida que eventualmente lhe possa ser imposta, deveria demitir-se. Seria o que eu faria.
E que mais?
Depois há a questão do PEPAC que é importantíssima. Alguma vez se ouviu falar que um PEPAC, acabado de negociar e a ser iniciada a sua implementação, precisa já ser alterado? É a primeira vez que ouvimos isto desde que entrámos para a comunidade. Porquê? Houve uma pressa tremenda para sermos os primeiros a ter o PEPAC pronto em Bruxelas para ser aprovado. E agora chegamos à conclusão de que está perfeitamente desajustado. O sector receberá muito menos dinheiro do que recebia anteriormente. Vamos ter que cumprir as mesmas regras do Greenning (Pacto Ecológico Europeu) sem ter qualquer benefício por isso. Tudo isto está perfeitamente desajustado e vai ter que ser remodelado. Isto é fruto, mais uma vez, de desorganização e de incompetência.
Há também apoios para a seca que não foram disponibilizados?
Com a seca brutal que tivemos no ano passado, associada a aumentos extraordinários dos fatores de produção, foram muitas as vezes que pedimos uma ajuda direta, sempre sem êxito. Os nossos vizinhos espanhóis tiveram este tipo de ajudas diretas à seca, nós não. Quando falávamos à ministra da agricultura sobre as ajudas à seca, ela respondia-nos sempre com milhões, que nunca chegámos a ver, e dos quais estamos fartos de ouvir falar. No que diz respeito às ajudas compensatórias do aumento dos fatores de produção, devido à guerra, já os espanhóis vão no segundo ou terceiro pacote e nós, só há pouco tempo recebemos um pacote, e muito diminuto. A senhora ministra não fala com as nossas associações, não nos consulta, não nos ouve. Mas que ministra é esta que não reúne connosco? Nós precisamos de ministros, secretários de estado, dirigentes que falem connosco, que oiçam as nossas opiniões, como forma de conhecerem a nossa realidade. Este será o tipo de ministro que necessitávamos e que gostaríamos de ter. Esta não é a nossa ministra. Nós precisamos de um ministro/a que considere as nossas propostas e esteja atento às necessidades dos agricultores.
A OVIBEJA e a ACOS têm sido plataformas de diálogo. Dadas as relações entre o sector agrícola e o poder político como vai ser esta OVIBEJA? Os responsáveis do sector vão ser convidados a visitar a OVIBEJA?
Depois de muito ponderar, a Direção da ACOS tomou a decisão de não convidar formalmente a senhora ministra da Agricultura para visitar a Ovibeja, tendo em atenção o descontentamento generalizado dos agricultores, bem patente nas várias manifestações realizadas neste último mês, nas quais a ACOS tem participado ativamente. Mas o Primeiro Ministro também não ouve a contestação dos agricultores e teima em manter no governo uma ministra sem qualquer peso político e sem competência para o lugar. Naturalmente que, perante uma postura desta índole, não faz, igualmente, sentido, convidar o Senhor Primeiro-Ministro e por consequência, outros membros do actual governo.
E quanto ao presidente da República? Poderá estar presente?
Sim. Endereçámos um convite ao senhor presidente da República, que deverá visitar a Ovibeja no dia 29 de Abril, da parte da tarde.
Os anos da pandemia e os dois anos em que a OVIBEJA não se realizou não trouxe problemas acrescidos no retomar da realização da feira?
Não. Absolutamente nada. O único problema que sentimos foi o aumento de todos os custos, na ordem dos 20 por cento. Tentámos reduzir onde era possível, mas o nosso orçamento este ano vai ser mais elevado. No entanto, decidimos não aumentar os preços nem dos bilhetes nem dos expositores e, mais uma vez, vamos tentar equilibrar as receitas com as despesas. Assim possamos contar, como habitualmente, com muitos visitantes. Estamos por isso confiantes de ter mais uma grande OVIBEJA.
Rui Garrido, Presidente da ACOS e da Comissão Organizadora da 39ª Ovibeja - 17/04/2023