Entrevista; Rui Garrido, presidente da ACOS - Agricultores do Sul
09/04/2018
Rui Garrido, presidente da ACOS - Agricultores do Sul
Vamos aproveitar os 35 anos da OVIBEJA para fazermos uma grande feira
No ano em que a OVIBEJA comemora 35 anos, Rui Garrido, o presidente da ACOS - Agricultores do Sul, considera que a feira “mantém a sua traça original” e que continua a ser o fórum privilegiado de “discussão e de reivindicação” dos agricultores e da sociedade alentejana. Com um cartaz de espectáculos “muito melhorado” para assinalar a efeméride, o presidente da ACOS revela que a edição deste ano da OVIBEJA vai ser também marcada pela cerimónia de homenagem a Manuel de Castro e Brito, anterior presidente da ACOS, falecido há dois anos, e que consistirá na atribuição do seu nome ao Parque de Feiras e Exposições de Beja, onde se realiza a OVIBEJA, conforme decisão já tomada pela Câmara Municipal de Beja sob proposta da ACOS.
Ovelha - Todos os anos quando chega a Primavera, anuncia-se também a OVIBEJA. Esta é a 35ª OVIBEJA, um número redondo e, mais uma vez, uma OVIBEJA importante…
Rui Garrido - Sim, é uma OVIBEJA importante, desde logo por serem 35 anos, mas também porque aproveitando serem esses 35 anos queríamos fazer aqui uma homenagem ao nosso falecido e saudoso Manuel de Castro e Brito. Inclusivamente temos isso agendado com a Câmara, ou seja, dar o seu nome ao Parque de Feiras e Exposições de Beja, onde se realiza a OVIBEJA.
Portanto, isso vai acontecer nesta edição da OVIBEJA?
Estamos a preparar as coisas neste sentido. Em princípio a cerimónia de atribuição do nome será feita no dia de abertura da OVIBEJA. Aproveitando a passagem dos 35 anos, estamos a preparar também um livro sobre o que foi a OVIBEJA ao longo dos tempos onde iremos, com certeza, destacar o que de mais importante aconteceu. Vamos também fazer uma exposição temática mostrando como foram as várias as OVIBEJAS e homenagear alguns dos nossos directores que já partiram. Portanto, vamos aproveitar estes 35 anos para fazermos um exercício de memória sobre a OVIBEJA e sobre aqueles que a têm feito. Para esta OVIBEJA especial, quisemos também melhorar os espectáculos nocturnos. Julgo que conseguimos um bom cartaz, composto só por artistas de 1ª linha.
Um olhar de memória e comemorativo dos 35 anos do percurso da OVIBEJA. No entanto, em geral, o olhar da OVIBEJA tem estado sempre muito centrado no futuro. Este ano é excepção?
- Claro que não. Todos os anos tentamos idealizar algo de novo, tentamos imaginar coisas novas, embora a traça da feira este ano fique muito semelhante àquilo que foi, nomeadamente, no ano passado. Continuámos a investir no Campo da Feira, que vai ter mais acessos, não só para a maquinaria que ali está em exposição, mas também para as pessoas que nos visitam. Estabelecemos uma parceria com sete empresas que ali instalaram campos de demonstração dos seus produtos, nomeadamente de várias culturas aqui da região, tais como cereais, favas, ervilhas, colza, etc., com o objectivo de dinamizar aquela zona, virada para um público mais profissional, no seguimento do que já vínhamos a fazer em anos anteriores. Vamos manter o Pavilhão do Cante com uma outra exposição dedicada ao património local, e o Pavilhão Institucional, tal como fizemos no ano passado, sem “comes e bebes”. Estes estarão todos juntos perto do Pavilhão Terra Fértil. A nossa temática vai continuar a ser virada para a internacionalização dos nossos produtos de origem vegetal, não só culturas anuais, mas também fruticultura, olivicultura, etc.
Culturas também ligadas ao regadio, a Alqueva?
- Sim, muito ligadas ao regadio, mas não só, porque nunca nos podemos esquecer que o Alentejo não é só o Alqueva, nem os outros pequenos regadios privados que por aí há. O nosso Alentejo é mais. O que sobra dos regadios, são dois milhões e oitocentos mil hectares que não têm água e que representa o interior desertificado, a floresta, a pecuária extensiva etc; nunca poderemos esquecer esta realidade. Mantemos este ano o nosso Concurso Internacional de Azeites, que está classificado como um dos melhores, senão o melhor, concurso a nível mundial, sendo que o Júri, constituído por cerca de quatro dezenas de especialistas, volta a reunir-se em Beja. Aproveitamos também a reunião do júri para realizarmos a Rota do Azeite do Alentejo. A ideia é convidar jornalistas nacionais e estrangeiros para conhecerem e avaliarem os bastidores do concurso de azeite e a importância do sector do olival e do azeite no Alentejo.
8º Concurso Internacional de Azeites
Este concurso é uma mais-valia para a OVIBEJA?
- Tem uma grande mais-valia para nós porque é o único concurso internacional de azeites que se faz em Portugal. O concurso mais conhecido mundialmente é o Mário Solinas, que se realiza em Madrid; o nosso é um concurso que tem um regulamento muito idênticoe que, no ano passado, teve, inclusivamente, mais amostras de azeite do que o Solinas. Recebemos mais de 160 azeites e ficaram apurados cerca de 150. É um concurso já de renome internacional que recebeu recentemente uma distinção pela revista “World Best Olive Oils”, que, anualmente elege os 100 melhores azeites do mundo. Nesta eleição, um azeite premiado naquele concurso espanhol, ou no nosso, será mais pontuado do que os que obtiverem prémios idênticos, noutros concursos mundiais.
Associado ao dia em que faremos a entrega dos prémios do Concurso de Azeites, na OVIBEJA, faremos também mais um seminário internacional virado para a fileira do azeite.
E que mais vamos ter na OVIBEJA?
- Dentro das actividades lúdicas, vamos também melhorar o nosso programa de cavalos, uma actividade que traz muita gente à feira. Iremos ter, novamente, atrelagens e estamos a tentar que haja um campeonato ibérico de horseball. Portanto, em síntese, queremos ter uma OVIBEJA dinâmica, à qual os expositores adiram, mais uma vez, em força – no ano passado tivemos o maior número de expositores de sempre - e que seja uma grande feira nestes seus 35 anos.
Este ano foi, no início, um ano particularmente seco, depois começou a chover. As coisas melhoraram?
- Sim. Muitas das nossas preocupações, desapareceram com estas últimas chuvas. Ninguém esperava que na nossa região chovesse mais de 200 mm. A área semeada para alimentação animal foi menor, muitas vezes com deficientes germinações, as reservas alimentares foram praticamente consumidas, pastagens ainda não havia. No entanto, quer estas, quer as culturas arvenses anuais, iam vivendo com a pouca chuva que ocorria, mas as reservas hídricas, quer para abeberamento pecuário, quer para regadio, eram nulas. Estávamos à beira de uma situação dramática e catastrófica. Neste momento, na nossa região, há condições para aquelas culturas anuais de sequeiro se desenvolverem, água para o gado está garantida, o Alqueva já recebeu 750 milhões de m3 e as barragens ligadas ao sistema do EFMA, como é o caso do Roxo e Odivelas, ainda que muito dependentes deste, também já não necessitarão de receber tanta água da EDIA. Uma palavra para dizer que esta água comprada à EDIA fica muito cara às associações, sendo o seu custo reflectido, depois, no preço final da água aos regantes. O caso mais preocupante, fora do EFMA, é a barragem da Nossa Senhora da Rocha, que se encontrava apenas a 20% da sua capacidade.
No Alto Alentejo, onde tem chovido mais, penso que as campanhas de regadio, privados e públicos, já poderá ocorrer de forma normal.
A ACOS gere o Parque de Feiras e Exposições em conjunto com a Câmara Municipal de Beja. Este ano há um novo presidente da autarquia. Como tem sido o relacionamento entre as duas entidades?
- Já tivemos uma reunião com a Câmara, porque se impunha. Não só porque somos sócios na gestão do Parque, mas também, porque há uma série de assuntos que têm que ser tratados e que já vinham de trás, com o anterior presidente, nomeadamente a conservação do parque a vários níveis, desde arruamentos a casas de banho, limpeza, etc.. Nesta reunião encontrámos uma boa recepção e vontade de colaborar, pelo que esperamos continuar a ter com esta Câmara um bom relacionamento, como, aliás tivemos com as anteriores. No entanto, algumas destas obras que nós queríamos que se fizessem antes da OVIBEJA, julgamos que só se vão conseguir realizar na próxima edição da feira.
Outra das questões em agenda, em termos de melhoramentos, tinha a ver com a melhoria da zona de restaurantes. Isso tem a ver mais com a ACOS?
- Sim. Tem a ver connosco. Estamos a tratar disso, não faremos tudo num só ano, serão precisos dois ou três anos, no sentido de melhorar essa área da feira.
Olival e Amendoal, as principais culturas
Qual é o ambiente que se vive hoje em torno da agricultura alentejana? No regadio sente-se alguma euforia em termos de exportação. É consistente?
- O regadio tem perspectivas de futuro, enquanto tudo o que é sequeiro está igual ao que era há muitos anos atrás, seja a pecuária, sejam os cereais, embora hoje em dia quase já não se façam cereais de sequeiro, a não ser para pastagens. Tirando essa área, ficamos com a zona irrigada por Alqueva que, felizmente, está a produzir. Mas, mesmo aqui, há uns anos víamos a paisagem alterada com a existência de muitos pivots de rega, isso hoje já não se verifica. Hoje em dias vemos mais plantações. Tudo isto tem a ver com os preços das principais culturas anuais. Sejam cereais, sejam oleaginosas (girassol ou colza), seja milho, todas mantêm preços muito baixos, pouco competitivos, e o agricultor é levado a fazer outro tipo de culturas. Por outro lado, os sectores do azeite e da amêndoa, continuam de boa saúde financeira (na nossa região, estão plantados seis a sete mil hectares de amendoal). Portanto, o agricultor é levado a fazer este tipo de culturas permanentes – também se têm feito algumas nogueiras e outras fruteiras - em detrimento das culturas anuais. Felizmente que há alguns sectores que estão bem e aqui na zona do Alqueva.
E o milho?
- Hoje em dia a área de milho diminuiu bastante, não só pela via do seu preço de venda, que já mencionámos, mas também porque exige níveis de água muito elevados, ficando a sua cultura muito cara.
E como está o sector agro-pecuário alentejano?
- Dentro da pecuária há uma fileira que se tem mantido estável nos últimos anos e que está relacionado com o porco alentejano, nomeadamente para quem tem condições para o fazer, ou seja, para quem tem montado. O porco engordado a bolota vale dinheiro, o outro já não. Muitos destes porcos são transformados em Espanha, mas é um sector cujos preços dão defesa ao agricultor. Já os bovinos e os ovinos mantêm-se aos preços que tinham aqui há muitos anos atrás. Uma exploração pecuária, na minha opinião, para ser rentável tem que ser extensiva,ter dimensão. Quanto mais tentarmos intensificar, pior é. Exige gastar mais dinheiro em alimentação, sementes, adubos, etc., e as defesas para o agricultor são menores.
Mas a transformação animal continua, em grande parte, a ser feita fora da região.
- Continua, de facto, a ser assim, com a excepção de alguma transformação ao nível do porco alentejano e do leite de ovelha e de cabra. No âmbito da comercialização de animais, a título de exemplo, a ACOS, por vontade dos nossos associados, iniciou recentemente o comércio de borregos através da parceria com uma cooperativa espanhola, que está aqui na Andaluzia, e neste momento estamos a exportar borregos para lá. Aqui bem perto da fronteira, têm um centro de engorda e alguns desses borregos, depois, até serão comercializados para Portugal, uma vez que esta cooperativa tem relações comerciais com supermercados portugueses. Se esta nossa parceria continuar a correr bem, como tem corrido até aqui, provavelmente a ACOS fará aqui o seu próprio centro de engorda, como forma de obtermos as mais valias correspondentes.
E como está o sector dos bovinos?
- Nós fazemos leilões de bovinos aqui na ACOS que também têm corrido bem até agora. Mas nos últimos leilões temo-nos apercebido de que há uma espécie de cartelização dos preços. Por isso, estamos também a considerar replicar o que fazemos com a comercialização dos borregos, com uma outra cooperativa espanhola, mas em termos de bovinos. Com os borregos é tudo muito transparente. São comercializados em função duma bolsa que existe na Extremadura. Quando um produtor nos chega aqui com um lote de borregos, nós temos a referência da bolsa da semana anterior e as variações não são muito grandes. O preço é pago com base nessa bolsa e, na Extremadura, o preço do borrego tem estado 10 ou 12 euros acima daquilo que é o preço do borrego em Portugal, e por isso compensa e tem corrido bem.
Inovar sem descaracterizar
Voltando à OVIBEJA há quem diga que a feira se tem vindo a descaracterizar como feira agro-pecuária, ao abrir-se a uma diversidade de sectores de actividade. Aceita esta crítica?
- Não. Antes pelo contrário. Eu acho que temos tentado manter a OVIBEJA dentro daquela traça que era a da OVIBEJA original. A OVIBEJA sempre foi um pouco de tudo. Continuamos a ter uma exposição pecuária muito digna, com vários concursos associados às raças autóctones e à tosquia, e estamos a dinamizar cada vez mais aquele espaço a que chamamos o Campo da Feira, onde actualmente ocorre a exposição de máquinas e equipamentos, tornando-o mais profissional. Nós queremos manter a OVIBEJA assim, com a traça que sempre teve, atraindo cada vez mais empresas ligadas à comercialização de produtos, sementes, químicos, etc., que tenha um cariz profissional, mas que seja a OVIBEJA que sempre foi.
A OVIBEJA tem sido, também, sempre uma voz reivindicativa e não acomodada. A OVIBEJA vai manter-se neste registo que era muito a linha de Manuel de Castro e Brito?
- Também. A OVIBEJA sempre foi e há-de continuar a ser um fórum de discussão dos problemas. Os temas e as preocupações que forem, em cada feira, de actualidade, havemos de os discutir sempre com quem cá vier, sejam dirigentes partidários, deputados, ministros, primeiros-ministros ou presidentes. Há-de ser sempre um fórum de discussão dos problemas e um fórum reivindicativo. Os nossos discursos de abertura tentam sempre abordar as principais temáticas da altura e aquilo que mais nos preocupa tanto na agricultura, como para a região. Nunca fugimos a discutir um problema seja com quem for. A OVIBEJA há-de continuar a ser também esse fórum.
A OVIBEJA faz agora 35 anos. Num horizonte de mais cinco anos o que pode mudar na OVIBEJA?
-Temos que tentar ser sempre, e cada vez mais, imaginativos para que em cada ano consigamos, pelo menos, introduzir algo de novo, porque não se consegue, nem queremos, mudar radicalmente a feira. Desde logo, por ser impossível e, depois, porque o actual modelo tem sido bem sucedido, onde as pessoas se sentem bem, gostam de estar e visitar. E é esta mistura, que passa por ser um fórum informativo, reivindicativo, de resolução de problemas, de negócios, um espaço diversificado, onde também há muita coisa que não tem nada a ver com a agricultura. Ao nível mais pessoal, gostava que a OVIBEJA mantivesse sempre aquilo que é a sua essência e as suas características, mas poderá continuar a tornar- se mais profissional. Quem sabe, fazermos aqui um ano dedicado só a uma área ou apenas a um tema específico duma determinada fileira agrícola. São coisas de que já temos falado e que poderemos ir pensando e idealizando.
Em vez de ser tão variada, concentrar tudo sob um determinado tema?
Por exemplo.