Manuel Castro e Brito sobre a OVIBEJA 30 anos
01/04/2013
“A OVIBEJA é uma feira que não engana o visitante”
A menos de um mês da 30ª OVIBEJA, que se realiza de 24 a 28 de Abril, no Parque de Feiras e Exposições de Beja, está tudo preparado para a grande feira da ruralidade que, ao longo destas três décadas se constituiu como uma janela para o interior do país. Com mais de 300 mil visitantes anuais e um número de expositores que ronda o milhar, a OVIBEJA marca o calendário da região e é um importante centro de negócios. Organizada pela ACOS – Agricultores do Sul o mundo rural está sempre presente e, nesta entrevista, Manuel Castro e Brito, presidente da Feira, considera que apesar da situação ser diferente de há 30 anos ainda há muito para fazer na definição de uma política agrícola para o país.
A OVIBEJA está aí, mais uma vez, à porta. São 30 anos de OVIBEJA. Para trás há já história. Como é que vai ser esta 30ª OVIBEJA?
Com 30 anos as pessoas e as coisas asseguram a sua personalidade cada vez mais e a OVIBEJA é uma feira, na verdadeira acepção da palavra, que veio continuar uma feira que existia. Não é nem uma exposição específica de agricultura, nem uma feira regional ou uma feira apenas de comércio ou divertimentos. É tudo isso, tem todas essas especificidades em conjunto e esse foi o modelo que se encontrou e que se constituiu já como a tradição desta feira.
Com 30 anos é já uma feira madura…
Sim, é uma feira madura e muito conhecida no país todo e no estrangeiro, e é uma feira que não engana o visitante, que oferece uma quantidade de oportunidades a quem a visita e a quem aqui está a fazer negócio.
A OVIBEJA tem sido desde o início organizada pela ACOS, uma organização de agricultores e produtores pecuários, e é curioso que a feira se tenha afirmado em paralelo com a diminuição do peso da agricultura na economia portuguesa.
Sem dúvida e teve a ver com o exercício que foi feito de abrir a feira a toda a gente e trazer até aqui a informação do que se passa na actividade agrícola e pecuária, mas não só. Quisemos trazer para a feira também aquilo que é a vida do interior do país, a vida do campo, a vida das aldeias, das pequenas cidades, com uma cultura muito própria. A palavra cultura é cada vez mais abrangente hoje em dia, muito mais do que há 30 anos atrás….
A OVIBEJA foi também uma janela que se abriu para esta cultura e para estas vivências do interior, da ruralidade?
Sim. A ideia foi essa e esse exercício traz aqui muita gente, que tem curiosidade de saber o que é que se passa fora das grandes cidades. Nós sabemos que ultimamente tem havido uma grande publicidade – digamos assim – ao sector agrícola e à agricultura que é uma actividade que se tem mantido. É uma actividade muito difícil, que requer muito investimento e que requer muito “know how”, muito saber técnico e muita experiência. É também um sector que a comunicação social agora parece ter descoberto, mas que está cá desde sempre.
Mas tem sido importante essa descoberta mediática da agricultura?
Há alguma demagogia em volta desta propaganda à agricultura, que muitas vezes induz em erro. A agricultura nunca foi um grande negócio. É uma actividade que nunca foi especulativa e que deve ser encarada com seriedade e com bom senso.
Jovens agricultores têm que ser acompanhados
No ano passado, segundo números divulgados pela ministra da agricultura, ter-se-ão instalado cerca de oito jovens agricultores por dia em Portugal. Isto é positivo? São agricultores ou são apenas pessoas que vêm experimentar a actividade?
O que me aflige é que esses jovens podem não ter um acompanhamento efectivo no terreno. Podem ser jovens que se lembraram de vir para a agricultura, alguns atraídos até pelo bucolismo da profissão, e que poderão não levar, em muitos casos, os seus projectos até ao fim. Por isso, estando em causa também fundos comunitários, toda esta situação deve ser encarada com muita seriedade.
Mas é sempre bom haver mais jovens agricultores. Ou não?
Sim, é uma notícia agradável porque nós, de facto, precisamos de mais jovens na agricultura. De qualquer modo, havendo a necessidade de renovar, por assim dizer, o sangue dos agricultores, será bom garantir aos mais velhos uma reforma digna e que nos programas comunitários o reforço dessas reformas seja tido em conta, coisa que não acontece no nosso país, mas que é muito usual nos países da União Europeia.
Neste momento de crise temos ouvido repetidos apelos a que se aumente a produção nacional. Isto tem também alterado a posição dos vários agentes relativamente à importância da agricultura para a economia portuguesa?
Há uma grande mudança principalmente aqui na nossa região com o regadio de Alqueva, mas é preciso notar que as grandes mudanças requerem grandes investimentos e os investimentos têm que ser seguros e planeados em tempo para que sejam viáveis. E essa é uma questão que nós gostaríamos muito de ver abordada com mais bom senso por parte dos governos.
Tem faltado crédito para esses novos investimentos?
Não há crédito específico para a agricultura. Quem quiser investir na agricultura terá que ter garantias – de preferência fora da agricultura – para conseguir algum crédito. Mas cada vez é mais difícil obter esse crédito e também mais difícil pagá-lo porque os juros estão a 10 por cento, ou seja, a Banca oferece juros para a agricultura do mesmo valor que oferece para uma actividade de consumo, individual, quase de luxo. Esse é um dos motivos porque o país não se desenvolve nem na agricultura, nem noutros sectores. A Banca, que tem muitas regalias e consegue ir buscar dinheiro a juros baixos, faz negócio com as empresas que, em geral, não conseguem pagar os juros actualmente no mercado e, na agricultura, vive-se uma situação muito complicada porque os investimentos no sector têm uma amortização a longo prazo.
Sobretudo estes investimentos ligados ao regadio de Alqueva?
Esses e outros, mas principalmente nos do regadio porque mudar do sequeiro para o regadio requer grandes investimentos e requer também conhecimento.
Será difícil acabar Alqueva em 2015
Uma parte significativa de Alqueva está terminada. Pode-se dizer que a agricultura na região também já está a mudar com a água de Alqueva?
Está a mudar, embora o projecto de Alqueva se tenha atrasado e nós temos aqui situações em que o investimento avançou e continua-se à espera da água que não vem. Também aqui terá de haver uma atitude séria da parte deste governo em relação ao regadio de Alqueva.
O prazo de conclusão da obra mantém-se para 2015?
Está anunciado que sim, mas é um anúncio que é feito por este governo. O que é certo é que já estamos em 2013 e será difícil num ano e meio concluir o regadio de Alqueva, que neste momento só está a regar metade do que se prevê que regue no fim do projecto.
Que tipo de culturas estão a ser postas no terreno nestes novos regadios?
Há novos olivais, milho e também outras culturas. Não é fácil concorrer com aqueles que fazem este tipo de culturas há mais tempo do que nós. É o caso dos pomares, das hortícolas, que constituem investimentos brutais e que requerem muitas infra-estruturas também na transformação e na comercialização. O que estamos a fazer é com passos pequenos, mas seguros e, com todas as dificuldades que há, este não é um momento para embandeirar em arco e fazer investimentos muito arriscados. O que interessa é que se ocupem as áreas irrigadas e deverá haver uma penalização daqueles que tendo terra com regadio não o utilizem. Mas daí a grandes investimento, sem bases sólidas, é muito complicado.
Contra a opinião da Federação das Associações de Agricultores do Baixo Alentejo (FAABA) a ministra da Agricultura entregou a gestão da rede secundária de Alqueva à EDIA e não às associações de regantes. O que é que está aqui em jogo?
Essa decisão é uma espécie de fenómeno porque o governo – e um governo de direita como temos agora - devia ter confiança nos empresários, sobretudo quando nalguns campos, quanto a mim, faz uma política ultra-liberal. Todos temos ouvido que quanto menos Estado melhor Estado e o que se passa aqui na EDIA é, exactamente ao contrário, ou seja, o reforço extraordinário duma estrutura que pertence a cem por cento ao Estado e ao governo, isto quando ao mesmo tempo no terreno existe uma grande experiência, com mais de 50 anos, do trabalho das associações de regantes. O agricultor quer água de qualidade e quanto mais barata melhor, porque a água é um factor de produção que é caro, e não confia que uma empresa do Estado, com muitas pessoas e cujos dirigentes têm muitas regalias, lhe possa pôr a água em condições e a bom preço. As associações de regantes têm um “know how” muito superior à EDIA, que nunca geriu água e agora, para o fazer, vai contratar outras empresas particulares de gestão da água.
Em causa está, sobretudo, o preço da água?
Exactamente. Nós até admitimos que, numa primeira fase, algumas associações de regantes que se constituíram recentemente, possam ser assessoradas pela EDIA, mas não compreendemos que a EDIA fique com todos os poderes, inclusivamente de escolher os agricultores que vão participar numa espécie de conselho consultivo para acompanhar os trabalhos da empresa. Isto é uma coisa estranhíssima, são poderes exacerbados, com a agravante de poderem escolher quem lhes vai auditar o trabalho. Estamos perante uma situação que só nos lembra regimes passados. Esta solução nunca será boa para os agricultores e nunca será bom para este projecto de regadio do Alqueva. Será bom para alguns gestores, para algumas empresas, mas nunca para os interessados que são os agricultores.
No entender da FAABA, a EDIA deveria apenas manter-se apenas até à conclusão da obra de Alqueva?
A EDIA tem obrigação de fazer a obra e tem a obrigação de gerir a rede primária e tudo o que seja mais do que isso será muito prejudicial para este projecto.
Quanto à reforma da PAC, que informações é que os agricultores têm?
Nós não temos nenhuma informação, mas penso que o que se vai passar é um corte de verbas, porque se o orçamento da União Europeia está com problemas, uma vez que não há solidariedade entre os Estados-membro, a política agrícola comum que depende desse mesmo orçamento irá, por certo, também ter problemas. Iremos receber menos apoios para a actividade agrícola e pecuária, mas iremos também receber menos apoios para o investimento e para o ambiente. É uma situação muito complicada que temos pela frente.
A agricultura portuguesa é competitiva por ela própria?
A agricultura em Portugal nunca foi competitiva. Tem alguns sectores onde poderá ser competitiva e entre estes está o regadio, porque temos bons solos e bons climas nessas áreas, mas não é competitiva no geral e, por isso, terá que haver um acompanhamento muito importante pela parte nacional e pela parte comunitária para não abandonar o nosso território e para conseguir fixar - o que parece já impossível – algumas pessoas no interior do país.
O problema do interior é não haver aqui votos
Este Alentejo é muito diferente daquele que existia há 30 anos quando se realizou a primeira OVIBEJA? Ou os problemas mantêm-se os mesmos?
Os problemas são iguais, mas a mentalidade das pessoas melhorou um pouco. A mentalidade de quem faz agricultura é demasiadamente conservadora e é preciso termos uma mentalidade mais aberta, mais tolerante e mais objectiva para tratarmos dos nossos assuntos. Também é preciso nunca nos esquecermos que a agricultura tem uma vertente social muito importante, porque sem pessoas não há agricultura., como também não haverá pessoas se não houver agricultura, porque todos temos que comer. De qualquer modo, nos últimos 30 anos progrediu-se bastante, também porque os mais novos têm já um bom conhecimento deste sector.
Mas olhando para os problemas da região eles mantêm-se. Todos os dias muita gente abandona o Alentejo, não há emprego, a região continua a perder população…
Nos últimos 50 ou 60 anos já perdemos mais de metade da população e esta é uma realidade que envolve responsabilidades de todos, principalmente dos políticos que têm tido uma atitude muito demagógica para com a agricultura e para com as gentes do interior. No interior não há votos, é este o problema, e enquanto houver esta mentalidade contabilística dos votos nada irá acontecer de bom para o interior do país, mas também para o país em geral. E pormos os nossos créditos em mãos alheias, em pessoas que pensam muito no umbigo e em toda esta alternância de poderes, que vai dar ao mesmo, a que temos assistido nos últimos 30 anos é, de facto, horrível. Hoje vemos pessoas que tiveram todos os poderes nas mãos, que se aproveitaram deles para proveito próprio e a quem não acontece nada por isso.
E muitos desses políticos têm passado aqui pela OVIBEJA…
A OVIBEJA sempre foi muito popular, nunca foi elitista e penso que nunca irá ser. Há aqui a sensibilidade de que os políticos, alguns políticos, não são todos felizmente, muitas vezes estão a mais na OVIBEJA, como estão a mais na governação do país.
Este ano, necessariamente, a OVIBEJA vai ser marcada pela presença de políticos dos vários quadrantes?
Penso que sim. Nós recebemos aqui a maior parte dos políticos com uma grande satisfação.
Água, Azeite e Vinho em destaque na OVIBEJA
Relativamente a esta 30ª OVIBEJA. A água, o vinho e o azeite vão estar em destaque. São os líquidos preciosos do Alentejo?
Também são. Há muita gente a ganhar a vida com o azeite e com o vinho, não apenas os agricultores que se dedicam a isso, mas todo o tecido social envolvente. Muita gente que tem oficinas, que tem negócios ligados ao sector da agricultura, etc. É um tema que está na actualidade, tal co mo a água que todos temos que pensar em gerir da melhor maneira, poupar, preservar a sua qualidade e que essa é uma grande preocupação que todos deveremos ter.
Este ano assinala-se o “Ano Internacional da Cooperação pela Água”.
Sim, em que se apela a uma melhor gestão da água e por isso faremos aqui na OVIBEJA algumas manifestações acerca desse assunto.
Pelo que se sabe, esta OVIBEJA vai ser também marcada pela instalação no espaço da feira de um monumento à Ovelha, o símbolo da ACOS, que esteve na base da actual associação Agricultores do Sul.
A ACOS começou como uma associação de criadores de ovinos e os seus associados eram unicamente os criadores de ovinos. A ACOS hoje tem várias vertentes da pecuária e da agricultura em geral e isso é importante porque se aproveitou uma dinâmica já existente para se ir um pouco mais longe. Mas recordamos sempre os nossos princípios, a forma como começámos. Infelizmente o sector dos ovinos e caprinos é dos sectores que mais têm diminuído no nosso país. Também por isso iremos fazer uma homenagem com uma escultura que representa os princípios da associação e é, de facto, uma ovelha. Vai ficar mesmo em frente do Pavilhão Multiusos, que é propriedade da ACOS.
António Zambujo, Virgem Suta e Xutos e Pontapés na OVIBEJA
Outro dado importante é que, ao nível dos espectáculos, a OVIBEJA para estas comemorações dos 30 anos apostou nalguns artistas locais de grande sucesso: António Zambujo e Virgem Suta. Foi propositado ou aconteceu assim?
Foi propositado porque nós sentimo-nos também muito orgulhosos daqueles que conseguem vencer e que são aqui da nossa terra. Estes são dois exemplos que temos que ter em conta e que este ano estão na OVIBEJA de pleno direito. É uma alegria podermos contar com eles, mas também com os Xutos e Pontapés, Buraka Som Sistema ou os The Gift.
Quando a organização da Feira pensa a OVIBEJA pensam-na para diversos públicos ou há espaços preparados para públicos em particular?
Há espaços para toda a gente. No que diz respeito aos espectáculos, pensamos nos mais novos, daqueles que – geração após geração – vêm acompanhando as ovinoites, que já se tornou um termo popular nascido aqui na OVIBEJA. A juventude tem aqui um lugar muito importante e, ao longo de todos estes anos, aqueles que eram mais jovens e que agora são menos jovens continuam a vir à OVIBEJA.
Estamos a um mês da OVIBEJA e num ambiente de crise económica. Houve uma boa recepção por parte dos expositores à reserva de espaços?
Curiosamente e, talvez, sem grande explicação, temos muito mais espaços reservados do que no ano passado. Este ano a OVIBEJA vai ser uma grande feira, vamos ver se conseguimos alojar todos os expositores que nos procuram. E se perguntarmos às pessoas que aqui se dedicam mais à organização da feira sobre a explicação para haver mais expositores, embora haja crise, o que dizem é que há uma grande procura de informação online e que a internet desempenha um grande papel na divulgação da feira.
Os novos espaços da Internet, nomeadamente as redes sociais, são já canais privilegiados para a divulgação da OVIBEJA?
Sem dúvida. E esses novos modos de fazer negócios são muito importantes e têm influído muito também no sucesso da OVIBEJA.
Muitas feiras transformaram-se em meras montras expositivas. Mas a OVIBEJA mantém-se como um espaço de negócio. Essa característica continua a ser importante?
A OVIBEJA é uma feira de negócios, de todos os sectores, e pretendemos mantê-la assim, porque isso é muito importante para esta região e para esta cidade, cuja população estima muito a feira. Às vezes não se pode dizer o mesmo dos políticos que temos aqui na cidade e que têm tido sempre um complexo relativamente ao sucesso do projecto que é a OVIBEJA, aliado, muitas vezes, ao insucesso político de pessoas que aparecem aqui e que esquecem que é preciso contar com o povo. O povo é que manda na OVIBEJA.
A OVIBEJA assinala os 30 anos. Daqui a 30 anos de que feira se poderá falar? Justificar-se-á uma feira deste tipo ou ela evoluirá noutro sentido?
A OVIBEJA vem no seguimento da Feira de Maio, cujo foral data do século XV, e daqui a mais 30 ou 300 anos continuará a haver, com certeza, uma grande feira em Beja. Agora chama-se OVIBEJA, já se chamou Feira de Maio e poderá vir a chamar-se qualquer outra coisa. Mas o espírito vai continuar de certeza absoluta.