Entrevista - Manuel Castro e Brito, Presidente da Comissão Organizadora da Ovibeja
18/04/2011
Manuel Castro e Brito, Presidente da Comissão Organizadora da Ovibeja<?xml:namespace prefix = o ns = \"urn:schemas-microsoft-com:office:office\" />
Se os políticos não se entenderem
a sociedade civil terá que reagir
Em vésperas do início da 28ª Ovibeja, que se realiza em Beja, de <?xml:namespace prefix = st1 ns = \"urn:schemas-microsoft-com:office:smarttags\" />4 a 8 de Maio, Manuel Castro e Brito considera que “a Ovibeja tem conseguido resistir à crise” e que este ano se verificou mesmo “um aumento do número de inscrições de expositores”. Para o também presidente da ACOS (Associação de Criadores de Ovinos do Sul) a crise que o país vive “é grave”, mas “a vida tem que continuar”. Daí que Castro e Brito faça um apelo para que, a um mês das eleições, os dirigentes partidários transformem a maior feira agrícola do sul “num espaço de democracia mais directa”, aproveitando para falarem “directamente com as pessoas” e para levarem da Ovibeja “mensagens a que, posteriormente, possam dar resposta”.
Com o país em recessão, com a presença do FMI em Portugal e uma situação económica muito difícil, quais são as perspectivas para esta edição da Feira do Alentejo? Vai continuar a ser uma grande Ovibeja?
Vai ser uma grande Ovibeja, pelo que sabemos. Ao nível de inscrições de expositores não houve quebra relativamente a anos anteriores, houve até aumento, e esperemos que a dinâmica destes novos acontecimentos seja também abordada aqui na Feira, que é um espaço de encontro, mas também de discussão. E sobre estes temas há muita expectativa entre as pessoas.
Sendo a Ovibeja todos anos um grande palco político, este ano ainda o poderá ser mais com eleições legislativas, antecipadas, à porta.
A Ovibeja também é para os políticos, para os partidos, e também serve para exercer uma democracia mais directa porque nestas alturas os políticos estão mais disponíveis para falarem directamente com as pessoas. E essas questões vão estar, certamente, na agenda.
Anualmente a Ovibeja serve também para que os responsáveis pelo sector agrícola aqui venham apresentar as linhas de desenvolvimento que preconizam para as diversas áreas. Este ano o governo está demissionário e em gestão. As respostas não serão poucas?
O governo é de gestão, mas o PS concorre às eleições e há-de ter um projecto para a futura governação. Tanto o PS como os partidos da oposição poderão levar também, daqui da Ovibeja, mensagens a que, posteriormente, possam dar resposta.
Como é que a ACOS, enquanto organização de agricultores, vê esta entrada do FMI em Portugal e também esta crise política em que o país está mergulhado?
Eu penso que tudo tem solução na vida, e se a intervenção do FMI devia ter sido antes ou agora, é algo que pode ser discutível. No entanto, a análise terá que ser feita com base nos resultados. Se o FMI servir para pôr as contas em dia será bem vindo. No entanto, os sacríficios serão muito grandes para as pessoas, mas sobretudo para as empresas agrícolas que já estão a ter muitas dificuldades, sobretudo em áreas como o crédito e com os muitos cortes que têm havido nos últimos tempos. Para além disto, as empresas agrícolas também estão à mercê do clima e do tempo. As coisas não estão famosas, mas é preciso ultrapassarmos esta crise.
Tem sido uma crise muito sentida pelo sector agrícola? Ou há áreas que lhe tenham escapado?
Tem sido bastante sentida e ainda mais, recentemente, com a subida das taxas de juro e também com os cortes orçamentais que tememos possam pôr em causa muitos projectos de investimento ao abrigo da política agrícola comum, que terão que ter também uma comparticipação do estado português. E vamos ver se as coisas correm bem por esse lado.
É difícil Portugal ser competitivo
nalguns produtos agrícolas
O sector agrícola tem sido sujeito a mudanças muito rápidas de políticas. Tão depressa se diz que o agricultor não deve produzir, para passar a ser o guardião do ambiente, como se anuncia que é preciso reforçar a produção agrícola nacional. Isto baralha o comum dos cidadãos: afinal Portugal conseguiria produzir tudo o que consome ou não?
Nós produzimos 70 por cento daquilo que comemos. Ou seja, importamos 30 por cento do que consumimos. Há uns produtos que produzimos mais, outros menos, mas esta é a média. Os agricultores produzem mais ou menos conforme as vantagens que têm e conforme as regras próprias de qualquer negócio: se tirarem daí rendimento produzem, senão não produzem. Houve alguma subida de produtos agrícolas, nomeadamente dos cereais e das oleaginosas, o que fez com que este ano os agricultores tivessem maior actividade nestas culturas, mas a meteorologia também não ajudou na altura das sementeiras. No entanto, este ano poderá ser o da recuperação, pelo menos, dos cereais, o que é muito importante para esta região.
Mas, se existissem políticas adequadas, Portugal poderia ser auto-suficiente do ponto de vista alimentar?
É difícil porque da parte de alguns produtos temos uma concorrência muito grande, seja de países da União Europeia, seja de países terceiros. Por outro lado, as cadeias de distribuição em Portugal não ajudam a produção nacional e isso não convida a que se produzam alguns produtos, porque não são economicamente compensadores.
Há um ano, no encerramento da 27ª Ovibeja, o presidente da República, Cavaco Silva referiu-se a essa questão apelando aos distribuidores para apostarem na produção nacional, pagando um “preço justo” aos produtores. Neste ano sentiu-se alguma diferença no relacionamento com as grandes cadeias de distribuição?
No aspecto dos pagamentos, que eram a vários meses, a situação pode ter melhorado um pouco, mas no aspecto das importações de produtos, em que não somos concorrencias, mas em que também não se paga a qualidade do que produzimos, tudo continua na mesma.
Está a referir-se, por exemplo, ao sector pecuário?
Sim. O sector bovino tem-se mantido estabilizado, enquanto os ovinos e caprinos têm diminuído vertiginosamente. Neste sector muitos produtores desistiram, porque os preços são os mesmos do que há 20 ou 30 anos e também porque, julgo eu, não se ter insistido mais junto da Comissão Europeia para estes sectores, que geralmente ocupam terras com pouca aptidão agrícola e de explorações de interior, com dificuldades de mão de obra, e que deviam ser mais ajudados. Também a burocracia que anda à volta do sector animal é muito pesada e leva alguns a desistirem.
E a distribuição tem protegido esse sector?
Não. Nós eramos autosuficientes em carne até há pouco tempo. Agora não o seremos tanto, mas não somos competititvos com as importações que há, no caso dos borregos, da Austrália e da Nova Zelândia que fazem “dumping” e têm grandes apoios à exportação destes produtos. Também não temos a compreensão dos distribuidores porque os nossos produtos têm muito mais qualidade do que a carne de ovino que é importada e isso pouco lhes interessa.
O mercado português não premeia a qualidade?
Não. Nem a distribuição se interessa por isso. Às grandes cadeias interessa ter carne de qualidade, nacional, para fazer promoção da carne que é importada, porque nas grandes superficíes existe uma confusão, que eu acho que é propositada, entre os diversos produtos.
Acha que devia haver campanhas no sentido de “educar” os compradores para a qualidade?
Acho que sim, mas devia haver também uma individualização do produto quando chega ao consumidor, mas a verdade é que, às vezes, existe uma montra de carne nacional e há referência a isso, mas na mesma montra existe carne importada, sem a mesma qualidade, e muito mais barata.
É preciso repensar o preço
e o modelo de gestão da água
A ACOS, que organiza a Ovibeja, tem mantido um bom relacionamento com o actual ministro da Agricultura, António Serrano. O que é que facilitou o diálogo?
De facto, houve uma alteração positiva. Este ministro é uma pessoa com bom senso e é uma pessoa que trabalhou e melhorou algumas situações, principalmente no funcionamento da Política Agrícola Comum, mas também porque se aproximou muito dos agricultores, colaborou muito connosco e as coisas melhoraram a esse nível.
Entre esta e a anterior Ovibeja mudou alguma coisa na agricultura alentejana, a não ser, o que não é pouco, o crescimento da área de olival? Já se sente o efeito da água de Alqueva?
Isso é evidente. A água já rega os olivais e outras culturas. Há mais sistemas de rega, mais utilização da água e as coisas vão-se fazendo. Esperemos que não abrandem agora com esta nova situação politica. Há um grande investimento da parte dos agricultores e das empresas agrícolas, porque a transição do sequeiro para o regadio não é fácil ao nível do investimento, mas também tem que haver uma aprendizagem nas culturas de regadio. É uma aprendizagem que se está a fazer, para mim a grande velocidade, e tudo aponta para que as coisas vão correr bem.
Por vezes tem-se a ideia de que a água de Alqueva está apenas a servir para regar os novos olivais. É assim?
Essa é uma afirmação recorrente e feita, muitas vezes, por pessoas que não estão dentro do sector. É muito positivo que Portugal deixe de ser importador de azeite e passe a ser exportador e isso vai acontecer dentro de muito pouco tempo. Foi um sector que se desenvolveu muito, não apenas no aspecto da cultura, mas também da transformação. Há muitos lagares e lagares modernos, o que também faz que tenhamos uma muito boa qualidade de azeite. Esse é um dado muito positivo. Mas outras culturas estão a aparecer como o milho, pomares, fruteiras e outras que se estão agora a ensaiar. Esta coisa dos olivais faz-me lembrar aquela fábula do rapaz, do velho e do burro. O que é mais perigoso é a ignorância.
Mas o preço da água de Alqueva continua um problema, a prazo?
Sim. O preço da água é condicionante e quem está a regar está a pagar hoje 30 por cento do preço da água. O preço está escalonado e daqui a sete anos, quando for pago na totalidade, o preço da água pode ser uma limitação ao desenvolvimento da nossa agricultura e da nossa economia. É um assunto que tem estado em debate, tal como o do modelo de gestão da água, que não pode ser um modelo estatizado, através de uma empresa de capital cem por cento do Estado. Também tem que haver diálogo para resolver este caso e uma partilha entre os agricultores e as suas organizações.
Os políticos têm que se entender
As eleições vão ser no dia 5 de Junho, sensivelmente um mês depois da Ovibeja. O que é que os agricultores esperam deste novo governo?
Eu, neste caso, não posso falar pelos agricultores, mas há aqui um grande ponto de interrogação. O que os empresários, em geral, esperam dos governos é que os deixem trabalhar e, naquilo que lhes diz respeito, que tem a ver com as negociações com a União Europeia e com outros países, que sejam competentes e que não utilizem todas as oportunidades para fazerem política partidária ou mesmo pessoal. Há neste momento um grande descrédito e uma grande falta de confiança na classe política e isso não é bom. Aqueles que têm empresas pequenas, grandes ou micro, como é o caso de grande parte das empresas agrícolas, de tipo familiar, o que querem é que “eles se entendam”. E se não houver um entendimento entre os políticos a sociedade civil terá que reagir e assumir algumas situações.
Preconiza uma intervenção maior da sociedade civil se não houver entendimento entre os partidos para governarem o país, criando uma maioria alargada?
Obviamente. As pessoas precisam de trabalhar e de produzir no seu dia a dia com sossego e com confiança e em que vejam que o seu investimento, o seu esforço e o seu trabalho não foram em vão.
A Ovibeja este ano tem como tema central o Ano Internacional das Florestas, que está a decorrer. A floresta é importante para os rendimentos dos agricultores no Alentejo?
É e cada vez tem mais importância porque se desenvolveram bastantes projectos florestais que, por um lado, contribuem para o rendimento dos agricultores, mas também para a imagem e o impacto ambiental do país e para a própria balança de pagamentos.
Ainda que os preços, por exemplo, dos produtos da floresta tradicional do Alentejo – o montado -, como a cortiça tenham vindo a cair “a pique” nos últimos anos.
Temos esse problema em sectores muito cartelizados e em que é difícil a entrada em novos mercados. Este é, de facto, um problema que se tem vindo a agudizar nos últimos tempos.
Xutos e Buraka nas ovinoites
A Ovibeja tem quase três décadas e, dentro do figurino que é o seu, não tem sofrido grandes alterações ao longo dos anos, embora apresente sempre algumas novidades. Quais são os pontos de atracção para esta edição?
Este ano vamos fazer uma abordagem ao Ano Internacional das Florestas, tratando-o como um assunto que é preciso debater e desenvolver; vamos mostrar também toda a fileira do olival e do azeite e, através de vários colóquios, abordar temas de actualidade como são a reforma da PAC e a sua orçamentação, para além de diversas actividades e debates em torno daquilo que produzimos e das novas tecnologias e equipamentos, indispensáveis para uma agricultura moderna.
Um dos momentos altos da Ovibeja é, todos os anos, o cartaz de espectáculos. Mas também o convívio, os copos, as ovinoites, os negócios…
A Ovibeja é um ponto de encontro, é uma oportunidade para as pessoas virem ao Alentejo, para serem confrontadas com a nossa gastronomia, também a nossa maneira de ser, e também como um espaço lúdico e de convívio. As ovinoites já fazem parte da tradição e realizam-se aqui os primeiros grandes concertos, transformando as noites da Ovibeja num dos primeiros festivais de música a realizar-se no país antes do Verão. Temos optado mais por grupos nacionais e este ano não fugimos à regra e a qualidade do cartaz é belíssima.Vamos ter os “Xutos & Pontapés” na noite de sábado, dia 7 de Maio, a grande noite da Feira. Os espectáculos começam logo no dia de abertura, quarta-feira, dia 4 de Maio, com a irreverência de Tunas Académicas, no dia 5 teremos os Expensive Soul, cabendo aos Buraka Som Sistema a animação da noite de sexta-feira, dia 6 de Maio, outra noite em grande em que as portas da feira não chegam a fechar.
A Ovibeja, apesar da crise, continua a ser uma feira sustentável, que se auto-financia?
A Ovibeja é uma marca muito forte, tem muito prestígio e não tem sentido agudamente os problemas e as dificuldades da crise, sentidos por muitas outras feiras. Temos todos os espaços vendidos, temos mais inscrições do que no ano anterior, o que nos leva a crer que a Ovibeja continua a ser um bom investimento para quem cá vem e, por isso, continua a ser uma feira de sucesso. Demonstramos que, apesar das crises, a vida não pára. Vamos continuando a trabalhar e temos aqui, na Ovibeja, todas as condições para que se crie um clima de encontros e de negócios. E são todos os que aqui vêm fazer negócio e o público em geral que nos ajudam a manter a feira.
Beja, 18 de Abril de 2011
O Gabinete de Imprensa da 28ª Ovibeja