Ovibeja 2010

Entrevista a Manuel Castro e Brito

29/03/2010

Entrevista a Manuel Castro e Brito

Se não forem tomadas medidas urgentes grande parte do país pode ficar despovoado

Falta um mês para a 27ª OVIBEJA

Falta um mês para que a 27ª Ovibeja abra as portas. De 28 de Abril a 2 de Maio a cidade de Beja vai receber, mais uma vez, milhares de visitantes. Manuel Castro e Brito, da Comissão Organizadora, diz que, apesar da crise, a resposta dos expositores é idêntica a anos anteriores e que a Feira vai ser “um sucesso”. Sobre o actual ministro da Agricultura, Castro e Brito considera que “há mais diálogo, mas a máquina do ministério continua emperrada”. O presidente da ACOS – entidade organizadora da Feira – critica também as grandes superfícies comerciais “por onde passa 85% por cento do que consumimos” mas que “secam tudo à sua volta”. Castro e Brito diz que, por isso, não é de estranhar que os donos dessas cadeias de distribuição sejam “dos homens mais ricos do mundo”, concluindo que é preciso ser-se claro quanto ao tipo de sociedade que se pretende: “a que preserva o ambiente e a agricultura” ou a que “só dá lucros aos gurus financeiros”.

Que Ovibeja vamos ter este ano?

Vamos ter uma Ovibeja no seguimento das anteriores, sempre com inovação e com um grande investimento da nossa parte, que não é só financeiro, no sentido de abrir caminhos para esta região. Não apenas em termos económicos e sociais, mas também ao nível da compreensão daquilo que se passa no mundo e de políticas que são cada vez mais globais e abrangentes. Aqueles que não estiverem atentos forçosamente ficarão para trás.

Ao longo destes anos, a Ovibeja conseguiu cumprir um dos seus objectivos: fazer com que o país olhasse para o Alentejo duma forma diferente? E que o Alentejo se olhasse também a si próprio duma outra forma?

A Ovibeja tem evoluído, tem mudado, tem progredido, tem sido, ela própria, geradora de uma dinâmica que é muito necessária para a região. Mas se recuarmos à sua primeira edição, há quase 30 anos atrás, recordaremos que era uma altura em que muita gente, nas aldeias, em muitas localidades, nem saneamento básico tinha, onde o grau de analfabetismo era muito grande e, felizmente, tudo isso mudou. E, com certeza, que a Ovibeja teve alguma influência.

A aposta de alteração da Ovibeja de nove para cinco dias que no ano passado foi experimentada, e que se mantém este ano, resultou em pleno?

É um formato racional. Não nos podemos dar ao luxo de ter um movimento desta dimensão durante dez dias em Beja. Temos a perfeita noção que aqueles que têm a generosidade de vir de todo o país, e da vizinha Espanha, para estarem presentes na Ovibeja, para fazerem os seus negócios e os seus contactos, não podem suportar uma estadia de tantos dias em Beja. E foi também em resposta a essa solicitação de muitos expositores, que vêm de fora, que reduzimos o período de duração da Ovibeja.

E, apesar da crise, este ano o número de expositores não diminuiu?

Não. Antes pelo contrário. Obviamente que há efeitos da crise, que se fazem sentir em todas as feiras, a nível nacional e internacional, mas essa é também uma situação que nos obriga a reagir. Será sempre melhor enfrentar a crise do que parar. Não se podem fechar as portas como alguns têm feito. Nós abrimos as nossas portas, insistimos e temos tido uma resposta muito positiva, sobretudo por parte da população.

Só a agricultura pode povoar o Interior

A história da Feira tem acompanhado a história recente de Portugal e do Mundo, a entrada na CEE, as crises, as secas… O Alentejo que hoje serve de palco à Ovibeja é um Alentejo muito diferente daquele que existia quando se realizou a primeira Ovibeja, há 27 anos?

É um Alentejo completamente diferente. É diferente porque tem menos pessoas. Se há menos pessoas mais ténue é a sua voz e menos possibilidades existem de ela ser ouvida nos centros de decisão. É um Alentejo, também, com menos qualidade, porque somos menos e os melhores, com mais possibilidades, saíram. Por isso, estamos numa nova encruzilhada. E há situações que é necessário definir com clareza, sobretudo em relação à agricultura, uma actividade que não se pode limitar apenas a uma questão empresarial ou a um mero negócio. No Alentejo, o desenvolvimento da agricultura significa o povoamento desta vasta região, que neste momento está despovoada. Numa altura em que não há fronteiras e há uma grande concorrência, em que os apoios que existem são apoios políticos, construídos com base nas políticas europeia e mundial, que por sua vez assentam em acordos de comércio e de negociações norte-sul ou este-oeste, quando não há voz, algumas zonas como o Alentejo ficam esquecidas. Mas não só Alentejo. No caso de Portugal, podemos chamar a todo o interior do país um imenso Alentejo. Desde a Serra do Algarve, passando pelas Beiras, até Trás-os-Montes, encontramos uma grande faixa no interior com tendência a ficar completamente despovoada.

Mas com a redução do número de agricultores e de explorações agrícolas não aumentou a rentabilidade da agricultura que hoje se faz?

Não. O Alentejo tem 2.860 mil hectares, com 1.800 mil hectares de superfície agrícola útil, e todos os negócios, todas as culturas, neste momento, da agricultura de sequeiro, não são lucrativas e dão prejuízo a quem as faz, devido ao mercado global. Existe algum equilíbrio porque há apoios comunitários e alguns nacionais, mas é uma actividade que não é atractiva. E é preciso ter em conta que no Alentejo, nesta imensidão, apenas 200 mil hectares têm possibilidade de serem irrigados. Alqueva é apenas uma gota de água neste grande território. E mesmo para estas áreas irrigadas, que têm algumas possibilidades de êxito, é necessário um apoio efectivo para os projectos que se queiram desenvolver, porque são investimentos muito grandes.

E há opções viáveis e de novas culturas para o regadio?

O olival é uma boa opção porque é uma das culturas que consome menos água e cuja rentabilidade é razoável por enquanto. Mas outras culturas hão-de chegar, como as hortícolas e frutícolas, assim haja a capacidade de saber captar investimento e de importar tecnologia.

O Ministério da Agricultura está mais dialogante, mas a máquina continua emperrada

A Barragem de Alqueva está construída, a água começa a chegar a muitas explorações agrícolas. Ainda falta muito para se ter o Alentejo verde que se anunciava com a construção de Alqueva?

Já podemos dizer que o Alentejo está mais verde do que era há alguns anos atrás. Na zona de regadio do Alqueva apareceram de repente investimentos em olival numa área de cerca de 50 mil hectares. Existe um investimento evidente que trouxe riqueza e emprego para esta região.

No passado houve conflitos acesos entre os agricultores e alguns ministros da Agricultura. O actual ministro é natural do distrito de Beja, conhece bem a região, Como é que a ACOS, enquanto principal organização agrícola do sul do país, se tem relacionado com António Serrano?

O passado, para nós, pertence à história. Nós preocupamo-nos é com o futuro e com o presente. De facto, temos agora um ministro da Agricultura dialogante, que se apresenta duma maneira muito compreensiva e que não regateia esforços nem promessas, o que, para os agricultores é, à primeira vista, sem dúvida positivo. No entanto, a burocracia do ministério da Agricultura está sempre presente. A máquina continua emperrada e enferrujada. É preciso que haja acontecimentos, ou seja, mudança de políticas que estão erradas; de planeamento sério face à reforma da PAC, que começará a sentir-se progressivamente a partir de agora e definitivamente em 2013. O brutal investimento que tem sido feito e que não tem tido resposta por parte da administração neste Quadro Comunitário de Apoio, ou seja, neste momento há investimentos que esperam a comparticipação do QCA há mais de dois anos. E assim ninguém pode trabalhar.

Quer dizer que da parte do ministério houve mais uma mudança de discurso e menos uma mudança de atitudes?

A atitude tarda em mudar, o que certamente o próprio ministro da Agricultura lamenta. Esperemos que – com a colaboração de todos, a ACOS está sempre pronta a colaborar com este ministro – haja resoluções eficazes e muito rápidas.

O olival é positivo para a região

A Ovibeja tem sido o palco, ao longo dos anos, de muitas reivindicações dos agricultores. Ao fim de todos estes anos não sentem que, de alguma forma, tem andado a “pregar no deserto” quando se olha ainda para os enormes problemas do sector?

É preciso fazer mais. É preciso recuperar as pessoas que saíram desta região e desta actividade porque a agricultura é geradora de povoamento e o Alentejo está muito despovoado.

Mas há quem diga que as enormes áreas plantadas com olival, sobretudo no distrito de Beja são uma monocultura que degrada os solos e quase não ocupa mão-de-obra. Ou seja, que contribui para a desertificação e para o despovoamento. Há alguma verdade nestas afirmações?

O que assistimos aqui é à construção de um projecto que envolve mudanças numa área muito pequena, quando comparada com a superfície agrícola útil do Alentejo, e que tem que ser acompanhada por uma mudança de mentalidade. Todas as regiões que têm uma agricultura próspera de regadio são sinónimo de desenvolvimento. E basta ir já aqui ao sul de Espanha para o comprovar. Aqueles que são arautos da desgraça e que fazem alarde dos seus preconceitos e da sua ignorância, utilizando os seus pequenos poderes constituem a areia que faz emperrar a engrenagem e começa a não haver paciência para os seus argumentos.

A pecuária sempre foi importante no Alentejo. Mas parece ter vindo a perder peso nos últimos anos…

É verdade. O que tem acontecido, quer à agricultura extensiva, quer à pecuária extensiva é que os preços de mercado, mesmo se lhes juntarmos os apoios comunitários que ainda existem, não compensam e são, em geral, um mau negócio. Os efectivos pecuários têm diminuído e irão diminuir mais porque os produtores não conseguem competir com as importações que vêm de países como o Brasil, a Argentina, a Nova Zelândia.

As grandes distribuidoras secam tudo à sua volta

Nem com a aposta na qualidade dos produtos, nomeadamente da carne produzida em Portugal e no Alentejo?

A qualidade na prateleira do supermercado tem a outra vertente que é o preço. E isso prende-se também com uma estratégia das grandes superfícies que querem vender em grandes quantidades e o que vende muito é o que é barato. Quanto a mim, a qualidade apenas tem servido como chamariz para que os grandes supermercados vendam os outros produtos. E é fácil de ver: grandes anúncios a carne de qualidade ou a outros produtos de qualidade e, ao lado, na mesma prateleira, estão montanhas de outros produtos parecidos a metade do preço. O negócio das grandes superfícies ascende a mais de 85% de tudo o que consumimos, tem um peso enorme e secou tudo à sua volta, nivelando os preços por baixo. E a essas grandes superfícies o que interessa são os grandes negócios e por isso recorrem à importação, onde o que menos conta é a qualidade.

Qualidade de produtos e de respostas, que tem sido uma das “marcas de água” da Ovibeja…

Pois, nós insistimos. É essa a nossa obrigação. Através dos produtos regionais, que estão sempre aqui presentes, continuamos a insistir, mas temos que estar todos bem alerta para os dias que correm e para o jogo que é feito por aqueles que concentraram a distribuição, que mandam no sector e que fazem uma grande demagogia com o negócio do fornecimento dos bens alimentares às populações. E que é um muito bom negócio é fácil de ver: os homens que estão à frente da distribuição em Portugal são dos homens mais ricos do mundo e, muitas vezes, vêm depois dar lições de moral. É a vida, o que é que se pode fazer senão alertar? O peso económico, o peso do cifrão atrai tudo e é altura de começarmos também a definir claramente o que é que as pessoas querem: se querem campo bem tratado, ambiente preservado ou se querem esta outra maneira de estar na vida, alimentando estes gurus financeiros.

Daniela Mercury na Ovibeja

Olhando, de novo, para a Ovibeja, como é que vai ser a Feira relativamente a espectáculos?

As tristezas não pagam dívidas e a Ovibeja tem estado sempre muito virada para a juventude e para a população que não tem rios de dinheiro para ir ver os grandes espectáculos que se fazem em Lisboa. Na Ovibeja com um bilhetinho muito módico todos têm acesso a espectáculos que são muito caros nas grandes capitais.

Qual é o cartaz das Ovinoites?

Este ano temos um grande espectáculo internacional com Daniela Mercury, temos concertos para os mais novos com os Blasted Mechanism e os Fonzie, temos uma noite de tunas académicas e grandes novidades, como a exposição da biodiversidade e o projecto “Alentejo Blues”.

Todos os anos, também, quase que não há político que se preze que não venha, oficial ou particularmente, à Ovibeja…

A Ovibeja é, acima de tudo, um ponto de encontro do povo. Do povo desta região, daqueles que tiveram que sair daqui para a cintura industrial de Lisboa, outros que emigraram para o estrangeiro e muitos já marcam as férias para a Ovibeja. É também para esses que nós fazemos a Feira. Os outros vêm, uns com a consciência mais leve e outros com a consciência mais pesada, mas ainda bem que há a Ovibeja para passarem aqui pela região os maiores responsáveis pelo país.

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