Ovibeja 2009

Entrevista a Manuel Castro e Brito

23/03/2009

A palavra crise não consta do vocabulário da Ovibeja

A Ovibeja prepara-se para inaugurar um novo formato. Em vez dos nove dias das anteriores edições, a 26ª Ovibeja vai ter apenas cinco. Entre 29 de Abril e 3 de Maio, a organização pretende que a feira decorra em pleno, sem dias nem momentos “mortos”. Para Manuel Castro e Brito, presidente da Comissão Organizadora, esta diminuição do número de dias não tem a ver com a crise económica que o mundo atravessa, mas é uma resposta a alguns expositores que se queixavam da longa duração da feira e dos inconvenientes que isso lhes causava. Castro e Brito promete, por isso, uma feira sempre a “cem por cento”, cuja meta é atingir em cinco dias o mesmo número de visitantes de edições anteriores: 300 mil.

A 26ª Ovibeja vai ter como tema central a cultura do olival e a produção do azeite e acolherá o pavilhão AZEITE ALENTEJO, um espaço temático e interactivo dedicado exclusivamente ao olival e ao azeite, que proporcionará visitas guiadas a todos aqueles que se desloquem à grande feira do Sul.

Nesta entrevista, Manuel Castro e Brito considera também que, em tempos de crise financeira e económica, a agricultura e todo o sector primário mostraram que têm os pés assentes na terra e que continuam a ser os pilares mais importantes da economia mundial.

Que motivos levaram à redução da Ovibeja de nove para cinco dias?

Esta decisão é uma decisão natural. Hoje já não há feiras com nove dias. É um grande esforço, sobretudo quando são feiras que acontecem em regiões do interior. É, antes do mais, uma decisão de concentrar a feira, de tê-la em todos os dias a cem por cento, sem tempos nem dias mais “mortos”. É uma solução muito racional, quer para quem organiza a Ovibeja, quer para quem a visita, quer para quem aqui expõe. O que nos interessa não é tanto a quantidade de dias, é mais a qualidade que a feira pode oferecer.

Esta decisão, pelo que está a dizer, não se prende directamente com estes tempos de crise. É, antes, uma medida de fundo?

Sim. A palavra crise não consta do vocabulário da Ovibeja. Sempre ultrapassámos todos os tempos e todas as dificuldades, os melhores e os piores tempos. A Ovibeja nunca teve crise, porque a crise combate-se com trabalho e perseverança e isso tem sido sempre a matriz da Ovibeja. Fizemos esta alteração também devido aos pedidos de muitos agentes que costumam estar na feira e para os quais nove dias era um tempo excessivo para estarem deslocados e afastados dos seus locais habituais de residência e de negócio. A redução dos dias da feira facilita a presença aqui em Beja e na Ovibeja de todos, sejam da região ou sejam de fora.

Pensam que tal redução irá permitir a vinda de mais expositores?

A Feira está completa, embora tentemos alojar sempre alguns expositores de última hora. Em geral, a Ovibeja tem sempre uma procura superior à oferta de espaço e não podemos ir além da área máxima de expositores que ela comporta. Por isso não estamos à espera de aumentar o número de expositores.

Os números oficiais da Ovibeja apontam para cerca de 300 mil visitas nos nove dias. Agora com apenas cinco dias pensam que esse número se vai manter?

Essa é a ideia. Concentrar o mesmo número de visitantes em menos dias. E dias não são assim tão pouco. Há grandes feiras que duram menos tempo e que têm muitos visitantes.

Este não é, portanto, um calendário de excepção. Pensam que este vai ser o formato e a duração da feira no futuro?

O calendário é para ficar.

O Azeite e o Olival

Todos os anos a Ovibeja tem um tema central. Este ano é o olival e o azeite. Compreende-se devido ao forte impacto que as novas plantações de olival estão a ter na região. Que iniciativas principais vão ter lugar relacionadas com este tema?

Vamos ter um pavilhão interactivo com visitas guiadas para dar a conhecer a realidade deste sector aqui na nossa região. Beja, neste momento, é a capital nacional do azeite, têm havido investimentos enormes neste sector, a área do olival cresceu muito nos últimos anos e já se começam a sentir os efeitos ao nível da produção. Também nos queremos centrar na qualidade do azeite aqui produzido e mostrar aos visitantes e à população em geral as potencialidades desta nova indústria do azeite que aparece aqui com uma tecnologia moderna. Queremos mostrar também o que esta indústria significa em termos de fixação de pessoas aqui na região, criando novos empregos, bem como o peso que o azeite pode ter no conjunto das nossas exportações. Dentro de três ou quatro anos Portugal deixará de ser importador de azeite para se transformar num exportador de azeite de grande qualidade.

Já estão a aparecer novas marcas no mercado em virtude deste aumento da produção de azeite no Alentejo?

Sim. Há novos lagares, novas marcas e também se pretende, numa conjugação de todos os esforços, constituir uma rede abrangente em torno deste sector, para que haja uma dinâmica muito forte quer em termos da produção de azeite, quer para a sua exportação.

Por vezes diz-se que este aumento da área de olival não tem correspondência com o número de postos de trabalho criados, já que o olival é uma cultura muito mecanizada, aliás como a maioria dos lagares mais modernos, que utilizam muito pouca mão-de-obra. É real esta imagem?

É claro que se evoluiu no tempo e hoje temos novas tecnologias, mas ao mesmo tempo a olivicultura precisa de muita mão-de-obra, mais especializada. E isso tem efeitos no emprego de uma camada jovem que existe na região, muitos deles com cursos superiores, e também pela necessidade de mão-de-obra, menos especializada, para operações de limpeza e de colheita da azeitona. Este sector, apesar de utilizar tecnologia moderna, é empregador de muita mão-de-obra, mas principalmente de mão-de-obra especializada. E esta é uma realidade agradável aqui para esta região.

E essa mão-de-obra qualificada existe já ou estão em curso acções de formação directamente dirigidas para este sector?

Existe, porque os novos politécnicos, as novas universidades do interior souberam adaptar-se para esta necessidade do sector da olivicultura e neste momento existem já muitos jovens formados nesta área. Se não houvesse esta oportunidade de se fixarem neste “cluster”, digamos assim, muitos deles teriam que partir para outras regiões do país ou mesmo para o estrangeiro à procura de trabalho.

Sabor Alentejo

Voltando à Ovibeja. Geralmente diz-se que a Feira não tem grandes mexidas, porque conseguiu construir uma fórmula de sucesso. O figurino da 26ª Ovibeja vai ser idêntico ao de anos anteriores?

A Ovibeja mantém a sua tradição, sempre com inovações e com a procura de novos alvos, o caso do azeite é um deles, mas a Ovibeja irá sempre ter as componentes não só da agricultura, mas também dos produtos transformados de grande qualidade que se encontram aqui na Feira.

O Pavilhão Sabor Alentejo, onde estão expostos e se vendem os produtos de qualidade da região vai manter-se?

Com certeza. Vai manter-se e vai apresentar o que temos de melhor: os melhores vinhos, os bons azeites - que dão o tema à feira deste ano -, os bons enchidos, os queijos, o pão, enfim, tudo aquilo a que as pessoas que visitam a Ovibeja já estão habituadas. Também no campo da restauração iremos ter o que é habitual: restaurantes com produtos de qualidade, desde as carnes certificadas aos sabores regionais. Mas como em tudo, para conhecer a Ovibeja, é preciso visitá-la de facto. E é isso que acontece. Em todas as edições milhares de pessoas visitam a feira com os mais diversos objectivos e interesses. Desde estes, que passam pelos produtos regionais de qualidade, até outros interesses, como os comerciais ou mesmo de informação e neste sector têm muita relevância, por exemplo, os colóquios que realizamos durante a feira. No fundo, vão ser cinco dias muito intensos, com um vasto leque de respostas para os vários interesses.

Todos os anos também as “ovinoites” marcam a Feira. Este ano, com menos dias, vão ser todas noites de festa rija?

Vão ser ao ritmo a que já nos habituámos. Vão ser noites, como diz a juventude, “sempre a bombar”. A Ovibeja não existiria se não fosse o grande “input” da juventude, que permanece aqui durante toda a feira, divertindo-se, mas ao mesmo tempo informando-se, num convívio mais geral, com jovens que vêm de todo o país e também da vizinha Espanha. E isso é muito importante.

A agricultura tem dificuldades, mas resiste

Ao longo da história da Ovibeja já houve diversas fases. Épocas de crise e épocas de menos crise. Hoje, a Organização da Ovibeja sente uma menor confiança dos expositores, uma maior retracção dada a situação que a economia mundial vive ou, aparentemente, a situação não é pior do que outras crises que o país viveu? Como é que sentem que as pessoas estão a viver estes dias?

Não sentimos nenhuma retracção relativamente aos expositores, curiosamente. As pessoas sabem que estar na Ovibeja é rentável para as suas empresas, há os que já têm essa experiência, mas também temos expositores novos este ano e se há crise tem que se responder com trabalho. E a Ovibeja é um espaço que acolhe os que querem trabalhar, os que têm uma atitude positiva e que sabem que o mundo não vai parar. Fala-se de crise e as pessoas podem pensar que não se vai comer, que não se vai trabalhar, que tudo pára, mas essa não é a realidade. A crise é um episódio temporal que se há-de resolver, mas para isso é preciso muito trabalho. E, volto a dizê-lo, a Ovibeja é um lugar de muito trabalho, de influências, no bom sentido da palavra, e é um lugar de esperança, porque a juventude está aqui muito bem representada.

A Ovibeja é organizada por uma Associação representativa do sector agro-pecuário, a ACOS. Como é que está a agricultura neste momento? Os sinais da crise já se fazem sentir neste sector? Há um ano os cereais estavam em alta, agora voltaram a estar baixos. Como é que a ACOS vê a situação actual?

Mesmo que não se queira, todos chegam agora à conclusão que o sector primário é aquele que ainda consegue ser melhor do que os outros sectores. O sector primário não especula, está enraizado, as explorações agrícolas têm base na terra e é um sector que se irá mantendo, obviamente com os “inputs” do que se passa à volta, que neste momento não parecem ser favoráveis para a economia. Seja como for, temos que continuar a produzir, porque as pessoas têm que comer todos os dias e a população mundial está a aumentar. A agricultura da nossa região já passou por várias fases, enumerá-las seria fastidioso, mas está sempre em mudança e tem que haver um grande esforço por parte dos agricultores para inovarem e continuarem a resistir, como aliás o têm feito ao longo dos séculos.

A certeza é apenas uma: melhor ou pior a agricultura irá continuar. Mas poderia haver uma maior sensibilidade da parte de todos, sobretudo dos governos e da União Europeia para que os investimento e os apoios à agricultura não fossem mitigados como têm sido nos últimos tempos. Por exemplo, neste momento há uma grande preocupação em salvar os bancos e em salvar várias empresas, através de empréstimos feitos em condições muito favoráveis e isso não se tem estendido ao sector agrícola. E penso que esse é um erro deste Governo e é um erro da União Europeia. Todos ouvimos falar de empréstimos sem juros ou a juros baixos, mas a agricultura continua a pagar juros muito altos, continua a debater-se com atrasos nos pagamentos das ajudas e continua a debater-se com a incompreensão do Governo, que nos corta muitas ajudas que vêm da União Europeia e que voltam para trás, sem serem utilizadas. Esta é uma situação muito desagradável e que vem contra o grande esforço que os agricultores fazem.

Há algum sector especial da agricultura que esteja a ser mais afectado por esta crise?

O sector que está com mais dificuldades, e isso não é só derivado a esta retracção do consumo, é a agricultura aliada à pecuária extensiva que passa um mau momento. Quem não dispõe de água terá grandes problemas em produzir em quantidade e em qualidade, também devido às mudanças climáticas que todos sentimos. Este é um sector que precisa de ser urgentemente apoiado. No que diz respeito a sectores mais especializados como o vinho, o azeite, mesmo às hortícolas e fruteiras também há problemas de retracção ao consumo, mas esses sectores têm que insistir cada vez mais na qualidade e em mercados externos para conseguirem vencer. E esse é um trabalho que é também urgente fazer, nomeadamente através daquela rede de que falava ao princípio desta entrevista de conjugação de vontades em torno, por exemplo, do sector do olival e do azeite.

O sector primário é o sector âncora da economia

Há também quem defenda que esta crise veio dar uma nova imagem positiva aos agricultores e à agricultura, porque num mundo de papéis, de dinheiro e de acções, já quase no domínio do virtual e da pura especulação, os agricultores continuam a produzir bens concretos dos quais todos dependemos. É uma impressão que também se pode reter desta crise?

Sim. O que se estava a fazer eram investimentos em situações irreais. Compravam-se participações de empresas que, eventualmente, nem funcionavam ou que apenas funcionavam para a bolsa e para o mercado financeiro. Ao contrário, quem investe na agricultura investe naquilo que é real, naquilo em que todos pomos os pés, que é a terra. Existem muitas incompreensões, a vida não é fácil, mas está provado que o sector primário é o sector âncora das populações e da economia, ao contrário daquilo que se dizia.

Mas nos últimos meses tem-se ouvido muito pouco a voz dos agricultores em Portugal. Qual o significado deste silêncio?

Os agricultores e as suas associações, tal como os outros sectores, não têm apenas como única função reivindicar, manifestar-se ou participar em acções de protesto. Têm muitas outras funções. E eu acho que o caminho de futuro terá que ser a concertação. Este governo não tem olhado devidamente para a agricultura, temos grandes problemas, toda a estrutura do Ministério da Agricultura foi reformada à força e, por consequência, funciona mal.

Reformada em que sentido?

Em vários sentidos. Reformada devido à reforma do pessoal do Ministério, mas também reformada devido à noção que foi imposta de que os agricultores são pouco mais que indigentes e, portanto, foi uma reforma má que veio lançar sobre os agricultores uma má imagem. Anunciarem-se milhões e milhões que nunca chegam à tesouraria das explorações agrícolas não é correcto, até porque os apoios que a agricultura precisa devem chegar de facto e não serem apenas anunciados.

Neste momento ainda há dinheiro não entregue aos agricultores?

Ainda há dinheiro que falta pagar do anterior Quadro Comunitário de Apoio e, neste momento, ainda não recebemos qualquer dinheiro desde novo Quadro, apesar dos avultados investimentos que têm sido feitos pelos agricultores, com promessas, sempre adiadas, de ajudas da União Europeia. É uma máquina que está paralisada e esta estagnação do aparelho é sinal de uma má governação.

Orçamento da Ovibeja ronda o milhão de euros

Voltando à Ovibeja, a componente internacional, que tem estado muito voltada para Espanha, vai manter-se nesta edição?

Sim. Há muitas pessoas e muitas empresas do outro lado da fronteira, bem como as administrações quer da Extremadura, quer da Andaluzia que têm manifestado sempre muito interesse em estarem presentes na Ovibeja e que vêm aqui também fazer contactos e tratar de negócios e isso com certeza que continuará e é muito positivo para a nossa região.

Quanto é que custa organizar a 26ª Ovibeja?

O orçamento da Ovibeja anda à volta de um milhão de euros, e é quanto deve custar, mais ou menos, a edição deste ano. É um orçamento substancial para a nossa região e para um projecto que é efémero, que dura apenas alguns dias.

O orçamento não desce este ano, já que a duração da Feira é apenas de cinco dias?

Em princípio poderá haver uma tendência para o orçamento reduzir, embora não na mesma proporção.

E quanto ao valor acrescido que a Ovibeja traz à região. Será possível calculá-lo. Em termos de visitas, de negócios, de dinheiro que circula?

O que sabemos é que a Ovibeja é um grande investimento que também beneficia um colectivo muito grande. Mas não existem números, pelo que não podemos especular à volta disso. O sinal que temos é que quem vem à Ovibeja continua a vir e se continua a vir é porque é rentável.

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